2025-05-06

Fentanil: visão geral histórica e científica


Fentanil: visão geral histórica e científica


O fentanil é uma droga que tem chocado a humanidade pelo estado e grau de dependência causado. 

Descoberta e desenvolvimento inicial

O fentanil foi sintetizado pela primeira vez em 1959 pelo químico belga Paul Janssen e introduzido nos anos 1960 como anestésico intravenoso (sob o nome Sublimaze). É um opioide sintético da classe das fenilpiperidinas cerca de 50–100 vezes mais potente que a morfina. Devido à sua alta potência, inicialmente foi usado sobretudo em ambientes cirúrgicos e no tratamento de dor intensa. Nos anos seguintes foram desenvolvidos diversos análogos – como sufentanil, alfentanil e remifentanil – que mantiveram o perfil de ação rápida do fentanil. A partir da década de 1990 surgiram formas de liberação prolongada, como o adesivo transdérmico Duragesic (patch), que libera o fármaco ao longo de dias. Outros métodos de administração (pastilhas bucais, sprays e lozenges) também foram lançados para tratar a dor contínua de pacientes crônicos.

Usos médicos legítimos e indicações clínicas

O fentanil é aprovado como analgésico e anestésico pela FDA e indicado para o controle de dores muito intensas, típicas de pós-operatório, estados de choque ou câncer avançado. Por exemplo, é usado em salas de cirurgia para sedação rápida e em UTI para analgesia de pacientes críticos. Também é indicado para pacientes tolerantes a outros opioides em regime crônico (por exemplo, câncer), tratando “dores de rompante” (breakthrough pain). As formulações disponíveis incluem injeções (intravenosa, intramuscular ou epidural), adesivos transdérmicos (patches), pastilhas sublinguais, sprays nasais e lollipops bucais (como Actiq® e Fentora®). Cada via tem farmacocinética distinta, mas em geral o fentanil atua rapidamente e com duração relativamente curta, tornando-o útil no controle da dor aguda quando outras terapias são insuficientes.

Mecanismos neurobiológicos do vício e dependência

O fentanil é um agonista potente dos receptores opioides µ (mu) no sistema nervoso central. A ligação aos receptores µ no cérebro leva à inibição da dor (analgesia), mas também produz intensa euforia, relaxamento e sedação. Essa ativação suprime neurotransmissores excitatórios (como substância P) e promove a liberação de dopamina no sistema mesolímbico de recompensa. Como consequência, o uso repetido do fentanil causa rápidas adaptações cerebrais – os neurônios reduzem a sensibilidade aos opioides, gerando tolerância – e intensa dependência física e psicológica. Em termos neurobiológicos, o abuso prolongado leva ao “desligamento” do prazer natural: o indivíduo passa a buscar compulsivamente a droga para evitar o mal-estar da abstinência. Em resumo, a combinação de grande afinidade pelos receptores µ e a rápida liberação de dopamina torna o fentanil extremamente viciante.

Histórico do uso não medicinal, produção ilícita e rotas de tráfico

O uso não médico do fentanil remonta aos anos 1970, mas tornou-se grave apenas nas últimas décadas. A partir de meados dos anos 2000 começou a emergir produção clandestina do fentanil em larga escala. Cartéis mexicanos instalaram laboratórios improvisados para fabricar fentanil puro a partir de precursores químicos baratos, transformando-o em pó ou comprimidos para contrabando. Atualmente, o México é apontado como fonte principal do fentanil ilícito nos EUA, com produções em grande escala pelos cartéis de Sinaloa e Jalisco. Mais de 90% do fentanil interceptado na fronteira EUA-México é apreendido em veículos que tentam contrabandeá-lo.

Fig.: Comprimidos de fentanil falsificados (imagem ilustrativa). No mercado ilegal, o fentanil é frequentemente misturado ou “misturado” a outras drogas. Por ser extremamente potente e barato, traficantes adicionam fentanil a heroína, cocaína ou estimulantes para aumentar o lucro. Essas misturas são perigosas porque até microgramas de fentanil causam efeitos intensos e são fatais para consumidores desavisados. Em muitos casos, vendas de supostos analgésicos (pílulas coloridas) são, na verdade, fórmulas de fentanil sintetizadas clandestinamente. Essa disponibilidade facilita o uso recreativo: o fentanil ilícito pode ser fumado, injetado, inalado ou tomado por via oral, frequentemente em preparações que imitam drogas comuns. A dose letal de fentanil é extremamente pequena (em torno de 2 mg), o que explica por que surtos de overdose podem surgir mesmo sem intenção de abusar do opioide.

Evolução da crise de abuso de fentanil (EUA) e estatísticas de overdoses

Nos EUA, a epidemia de opiáceos evoluiu em três ondas distintas. Na primeira onda (anos 2000) houve explosão no abuso de analgésicos prescritos; na segunda (a partir de 2010) as mortes por heroína cresceram; na terceira onda (a partir de ~2013) proliferaram os opioides sintéticos, sobretudo fentanil ilícito. Conforme dados do CDC, o terceiro pico coincide com um salto dramático nas mortes por overdose por fentanil. Em 2022, foram registradas ~108.000 mortes por overdose de drogas nos EUA, sendo cerca de 82.000 associadas a opioides. Especificamente, as mortes envolvendo opiáceos sintéticos (em sua maioria fentanil) passaram de apenas 2.666 em 2011 para 31.335 em 2018, alcançando ~70.600 em 2021. Em 2022 e 2023 houve um leve declínio nesse número (73.838 e 72.776 mortes, respectivamente), mas continua muito acima de uma década atrás. Em resumo, as estatísticas confirmam que o fentanil tornou-se o principal responsável pelos óbitos por overdose nos EUA, ultrapassando heroinas e opioides prescritos.

Políticas regulatórias e estratégias de combate

Governos e agências de saúde pública adotaram múltiplas medidas para conter o abuso de fentanil. Nos EUA, o fentanil é classificado como substância controlada Schedule II (análoga à morfina), e diversos análogos foram colocados em Schedule I em decretos emergenciais para facilitar a repressão. Programas de monitoramento de prescrições (PDMP) e diretrizes do CDC restringem o uso médico indiscriminado de opioides. Paralelamente, houve pressão diplomática junto à China – historicamente fonte de precursores químicos – e cooperação com o México para reprimir laboratórios ilícitos. Outras medidas incluem operações de fiscalização (por exemplo, apreensões em portos e correios) e sanções a redes de tráfico internacional. No âmbito da saúde pública, diversas iniciativas aumentaram a oferta de naloxona (antídoto para overdose) e de tratamento assistido (metadona, buprenorfina) para dependentes. A OMS e entidades nacionais enfatizam também educação e prevenção: campanhas alertam sobre o risco do fentanil e treinam profissionais para reconhecer e tratar overdoses. No Brasil, a Anvisa regula estritamente o fentanil como medicamento controlado e o órgão SAR monitorou casos esporádicos sem caracterizar epidemia local. Em síntese, a resposta global envolve combinação de medidas criminais, diplomáticas e de saúde pública – um esforço contínuo destacado até por relatórios da UNODC que pedem “medidas políticas adequadas” contra os opioides sintéticos.

Fontes: Informações compiladas de agências oficiais (CDC, DEA, UNODC, OMS) e literatura científica recente.

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